Não havia som, nem imagem, gosto, toque, muito menos cheiro. A fase em que se preocupava com esses sentidos já havia passado. Seu corpo não detinha para si a mesma estima que antigamente, suas sensações não tinham a mesma importância. Toda sua vida até então não passava de ilusões e sonhos embalados por batidas vintage. O tempo que dura um segundo também havia perdido sua legitimidade.
- Desce mais uma rodada! – lembrava vagamente de flashes na memória falha e atemporal. – Hoje é dia de festa!
Quem eram aquelas pessoas que riam e comemoravam? Que sonho maluco aquele.
Sentia como que flutuando em uma grande piscina de ar. Os pensamentos boiavam em sua frente e ela os catava como se pegasse peixes emersos.
- Filha – dizia uma senhora muito alta usando maiô com estampa de bolinhas - use filtro solar no nariz também.
Se esse era um sonho, onde entrava a realidade?
- Quem vem comigo? Tô legal, tô de boa!
A pressão nas pernas e abdome fizeram sua sensibilidade aflorar ainda que pausadamente.
Dor. Mas de onde vem a dor? Seria do mesmo lugar de onde vinham os sonhos?
- Vamos voar! Eu quero voar! – lembrava disso. Essa voz era sua, seja lá quem ela fosse, e essa situação estava começando a incomodar.
Sangue. O gosto agora era sangue. Ela sentia como se ele jorrasse de dentro de seu diafragma.
- Puta merda, que lerdeza. Sai daí, seu lerdo! – havia mais uma voz, ela vinha do seu lado direito, mas não conseguia vislumbrar um rosto. Não lembrava nem de seu próprio rosto. Queria parar de pensar coisas sem nexo.
Luz, luz forte e vermelha. Quem ligou a luz? Abria e fechava os olhos, tudo parecia estar tomando forma e sentido. Estaria ela acordando? A dor agora estava por toda parte, estava tonta, desnorteada, sedenta.
- Tânia, Tânia. – Dizia a voz chorosa, amedrontada e desesperada à sua direita. Seria mais um surto? Era tão real.- O que aconteceu? Ai, meu Deus, você está bem? – a voz soluçava e falava baixinho, quase que sussurrada. Sem forças, sem esperanças.
Ela virou seu pescoço o máximo que pode em direção a voz. Levantou os olhos e mirou Valquíria, a amiga agora ensanguentada e retorcida à sua direita. Não era sonho. Sonhos não são tão opressivos.
O metal do motor aquecido e a gasolina começaram a exalar, misturando-se ao álcool nas suas roupas.
Medo e dor. Destes, o maior era a dor.
Subitamente queria que tudo aquilo fosse novamente um devaneio, mas não era.
A senhora do maiô estampado passou rapidamente pela mente quase lúcida de Tânia.
Como isso pôde acontecer logo com ela? Sempre foi uma exímia motorista, mesmo embriagada.
Lentamente todas as sensações começaram a amenizar.
Os pensamentos começaram a parar de rodar.
A respiração ficava mais pausada.
A dor não existia mais.
Não havia mais som, nem imagem, gosto, toque, muito menos cheiro.
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Esta crônica é de minha autoria, e está contida no livro "Caldo fino: Crônicas sobre o cotidiano no Amapá”, organizado pelas jornalistas Roberta Scheibe e Cláudia Assis.
"Sinestesia" retrata uma realidade muito corriqueira na cidade de Macapá: os acidentes de trânsito.
No livro você encontrará mais 23 crônicas de diversos autores, incluindo "A desculpa", também de minha autoria.
- Desce mais uma rodada! – lembrava vagamente de flashes na memória falha e atemporal. – Hoje é dia de festa!
Quem eram aquelas pessoas que riam e comemoravam? Que sonho maluco aquele.
Sentia como que flutuando em uma grande piscina de ar. Os pensamentos boiavam em sua frente e ela os catava como se pegasse peixes emersos.
- Filha – dizia uma senhora muito alta usando maiô com estampa de bolinhas - use filtro solar no nariz também.
Se esse era um sonho, onde entrava a realidade?
- Quem vem comigo? Tô legal, tô de boa!
A pressão nas pernas e abdome fizeram sua sensibilidade aflorar ainda que pausadamente.
Dor. Mas de onde vem a dor? Seria do mesmo lugar de onde vinham os sonhos?
- Vamos voar! Eu quero voar! – lembrava disso. Essa voz era sua, seja lá quem ela fosse, e essa situação estava começando a incomodar.
Sangue. O gosto agora era sangue. Ela sentia como se ele jorrasse de dentro de seu diafragma.
- Puta merda, que lerdeza. Sai daí, seu lerdo! – havia mais uma voz, ela vinha do seu lado direito, mas não conseguia vislumbrar um rosto. Não lembrava nem de seu próprio rosto. Queria parar de pensar coisas sem nexo.
Luz, luz forte e vermelha. Quem ligou a luz? Abria e fechava os olhos, tudo parecia estar tomando forma e sentido. Estaria ela acordando? A dor agora estava por toda parte, estava tonta, desnorteada, sedenta.
- Tânia, Tânia. – Dizia a voz chorosa, amedrontada e desesperada à sua direita. Seria mais um surto? Era tão real.- O que aconteceu? Ai, meu Deus, você está bem? – a voz soluçava e falava baixinho, quase que sussurrada. Sem forças, sem esperanças.
Ela virou seu pescoço o máximo que pode em direção a voz. Levantou os olhos e mirou Valquíria, a amiga agora ensanguentada e retorcida à sua direita. Não era sonho. Sonhos não são tão opressivos.
O metal do motor aquecido e a gasolina começaram a exalar, misturando-se ao álcool nas suas roupas.
Medo e dor. Destes, o maior era a dor.
Subitamente queria que tudo aquilo fosse novamente um devaneio, mas não era.
A senhora do maiô estampado passou rapidamente pela mente quase lúcida de Tânia.
Como isso pôde acontecer logo com ela? Sempre foi uma exímia motorista, mesmo embriagada.
Lentamente todas as sensações começaram a amenizar.
Os pensamentos começaram a parar de rodar.
A respiração ficava mais pausada.
A dor não existia mais.
Não havia mais som, nem imagem, gosto, toque, muito menos cheiro.
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Esta crônica é de minha autoria, e está contida no livro "Caldo fino: Crônicas sobre o cotidiano no Amapá”, organizado pelas jornalistas Roberta Scheibe e Cláudia Assis.
"Sinestesia" retrata uma realidade muito corriqueira na cidade de Macapá: os acidentes de trânsito.
No livro você encontrará mais 23 crônicas de diversos autores, incluindo "A desculpa", também de minha autoria.
Um comentário:
Parabéns Mila, pela crônica "Sinestesia" Fico orgulhosa de ter uma grande amiga como você!!!
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